sexta-feira, 13 de agosto de 2010

submissa

Dá-me vida por favor
Sou tua.
Já o larguei. Agarra-me.
Quero roçar no teu colo
Sentir-te.
Sentes-me também?
Ouve os meus gemidos.
Sente-me arfar no teu ouvido.
Ouve os meus gemidos ritmados.
Era isto que querias?
Ouve os meus gemidos pautados pelos gritos de desespero.
Pára!
Não pares. Continua!
Deseja-me como se nunca me tivesses tocado antes
Como se fosse a primeira vez.
Tens-me submissa.
Já o larguei. Agarra-me.
Eu agarro-te. Não me largues.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

saudosista do presente


Sentia a falta dele.

Não porque o amasse. Não porque quisesse estar com ele.

Simplesmente porque sentia a sua falta.

A presença daquele homem na sua vida inspirava-a.

Relembrava aqueles negros cabelos de desregrados caracóis nos quais se perdia por tempos infindáveis. E aquelas mãos… Oh aquelas mãos! Aqueles dedos pequenos e rechonchudos a percorrerem-lhe o corpo com destreza enquanto lhe sussurrava tudo aquilo que ela desejava ouvir e que nenhum outro era capaz de dizer. Como adorava a voz dele, a forma como articulava deliciosamente as palavras num tom sério e convicto.

Passara meses a convencer-se do quão desnecessário ele era para o saudável decorrer da sua vida.

De facto, sempre que ele regressava o rumo normal das coisas descarrilava. A felicidade que sentia nestes momentos era depressiva, quase doentia. Levava-a a atentar as maiores barbaridades contra a sua pessoa.

O mundo parava quando ele a abordava. Os dias eram passados na esperança de uma palavra dele. Qualquer que fosse.

A tristeza acompanhava-a ao longo das horas em que ele não demonstrava sinais da sua existência.

Bastava uma palavra. Qualquer que fosse.

O sorriso louco preenchia-lhe de novo o rosto, o brilho era restituído ao seu olhar e tudo o resto desaparecia de novo. A sua vida fazia sentido uma vez mais.

Ficava feliz. Estava feliz.

Era feliz

doce frustração


Quis gritar

Calar o silêncio que preenchia o seu apertado peito

Chorava

As grossas e pesadas lágrimas percorriam-lhe o rosto lentamente

Eram rios de lava

Queimavam-lhe a pele ao longo dessa demorada descida

O ar

Sentiu-o fugir-lhe

Escapar-se-lhe por entre os pulmões cada vez mais contraídos

Gritou novamente

O som inaudível do desespero da sua voz não chegou além da garganta

Esperneava

Seres inexistentes prendiam-lhe os membros com forças invisíveis

Incapacitada

Queria

Tentava

Lutava em vão

Não alcançando mais que uma doce frustraçao

sexta-feira, 4 de junho de 2010

carta a alguém

Haverá processo de comunicação mais impessoal que este? As letras estereotipadas sempre seguindo a mesma direcção, sempre iguais, sem sofrer qualquer alteração independentemente dos sentimentos que dominam quem as grafa. O conteúdo, esse, já poderá e deixará certamente transparecer todas essas emoções. No entanto, a nível de apresentação visual esta não pode ser mais desprovida de sentimentos. Um vulgar texto, escrito por tantas outras pessoas destinado às mais diversas criaturas, tratando dos mais distintos assuntos.
Mentiria se dissesse que não gostaria de obter resposta às questões que padecem incógnitas, mas mentiria também se dissesse que as espero. Não é isso que pretendo. Não sei ao certo o que pretendo… Talvez um último acto de alegada insanidade infundada. Qualquer que seja a motivação a única certeza é que tinha que o partilhar com alguém mais que comigo mesma.
Os meus pensamentos desenvolvem-se numa espiral tal que é difícil saber por onde começar e espero sinceramente que nada me escape. Seria uma lástima no fim de tantas palavras me aperceber que o mais importante ficou por dizer.
Como ser emotivo dotado de razão é natural questionar-me. Visto não obter respostas tenho que ser eu a criar esclarecimentos. As combinações são vastíssimas e temo passar os resto dos meus dias entretida com esta actividade sabendo pois que nunca chegarei a conclusão alguma.
Relembro momentos, relembro palavras. Palavras que dificilmente seriam proferidas quando não sentidas de facto. No entanto, quando muito repetidos quaisquer vocábulos perdem o seu valor.
Sempre assim pensei e sempre fiz questão de to dizer ainda que no fundo sentisse que por muitas vezes que ouvisse tais letras tão agradavelmente conjugadas nunca me cansaria, nunca deixaria de lhes dar valor. De facto não deixei de as valorizar, foram elas próprias que se deterioraram em si mesmas. Talvez tenha sido uma visão muito naif da minha parte, acreditar que o felizes para sempre talvez funcionasse para mim, para nós.
Por fugazes momentos acreditei que fosse amor. E de facto foi. Amor próprio. O teu egocentrismo e necessidade de adoração que tão aprazíveis são ao teu dissimuladamente monstruoso ego.
Tristemente me apercebo do quão deprimente é num tão curto espaço de tempo nos depararmos (me deparar) com tamanho imbróglio sentimental. Apercebo-me também do porquê de me questionar, do porquê de não conseguir afastar estes pensamentos das minhas noites em branco: és uma incógnita. No fundo não te conheço do todo, não passas de um semi desconhecido como te auto intitulavas, compreendo agora as tuas sábias palavras, não consegui sequer distinguir o real do imaginário.
Não me vou despedir, não faria qualquer sentido despedir-me de alguém que nunca conheci. Não vou dizer amo-te, não quero, não seria sentido. Nutro simplesmente um qualquer sentimento por ti, estranho, inexplicável, o qual nunca havia provado, o qual desejo agora nunca ter conhecido, pela dor que me causa, pela dor que sei que continuará a causar no meu coração dilacerado pelo sofrimento de algo que desconhece.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

o que quer que tenha sido


Aquele mais,

aquele menos,

Que podia não ter sido

se verdade fosse.

Mas foi.

Será que ainda o é?

Desconhecemos o que seja

ainda que o tentemos perceber.

É impossível.

Não o seria se possível fosse.

Esperemos. Esperamos.

Pode ser que entretanto ele apareça,

pode ser que sim.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

trapos

Usava-os como se de trapos se tratassem
Deles se libertava pela manhã
Tentava esquecer esses momentos
Procurava outros
Novos
Que depois de gastos atiraria na sarjeta
Como se de trapos se tratassem

Aqueles corpos
Aqueles corpos nus que acariciava
Aqueles corpos que beijava avidamente

Aqueles bocados de ser que desejava até possuir
Aqueles bocados de realidade
Aquele que pensava ser o último antes do próximo

Esse mesmo

Aquele que usava
Aquele corpo que desgastava

Aquele

(Não te lembras de onde o deixaste?)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

o que um dia fomos


Hoje tive saudades tuas.

Decidi escrever sobre ti. Sobre nós.

A paixão morre aos poucos. Sempre morreu.

(Será que em tempo algum a houve?)

E as memórias que partilhávamos

não mais preencheram que meras noites

vazias de tudo o resto.

Embalados em abraços,

(difusa realidade que fomos)

Quando éramos nós

Percorremos camas vazias

Na esperança vã de nos encontrarmos.

E de manhã o dia era outro

As luzes difusas, o álcool, o sexo.

São agora pedaços de culpa espalhados pela estrada.

Não ouço o que ele diz…

Pneus gastos percorrem o asfalto sem destino aparente

Até alcançarmos o fim, sonhamos com o regresso

domingo, 4 de abril de 2010

estamos em maio, gosto em ver-te finalmente


Aquele rosto que há tanto desejava ver, aquelas mãos que esperava sentir em si. Finalmente. Quando o viu pela primeira vez, saída do comboio, sentiu-se fraquejar. A longa viagem que ali a levara, os meses contados, cronometrados até ao momento, percebeu então o porquê de lhe parecerem tão demorados.

Ele procurava-a por entre a multidão irrequieta com os seus enormes olhos esperançosos de a encontrar. Ela olhava-o, parada, acabada de descer aqueles monumentais degraus que à semelhança de uma última provação penosamente a levaram ao exterior da carruagem.

O olhar dele cruzou então o dela. Estagnou. Tudo o que trazia consigo fugiu das suas mãos. As pernas enrijeceram impedindo-a de caminhar. E ele sem perceber as sensações que lhe percorriam violentamente o corpo, permaneceu imóvel.

Ali, como que se o tempo tivesse congelado sentiram-se. Há distância de metros tocaram-se. Sem dar um único passo beijaram-se. Como tantas vezes o haviam feito separados por quilómetros.

Relembraram as noites em que dormiram juntos, aninhados, em que o mundo parava só para se rir dos seus sorrisos patetas. Recordaram os seus medos.

Perceberam aí que aquele carinho não podia terminar ali. Caminhava finalmente em direcção à realidade.