segunda-feira, 15 de março de 2010

ludismo sentimental (i)


Não era a primeira vez que entrava na escola, já lá havia estado quando levou os documentos necessários para a sua inscrição. O simpático senhor que se encontrava na recepção disse-lhe que daí a uma semana lhe ligaria para confirmar a sua inscrição e que a partir daí poderia começar a frequentar as aulas. Apesar do entusiasmo e vontade de começar a aprender, só quase um mês após receber esse mesmo telefonema decidiu aparecer nas ditas aulas.
Ao abrir a porta, com algum esforço devido à excessiva carga que habitualmente trazia consigo, disse um tímido “Boa tarde”, ao qual os dois homens que se encontravam na recepção rapidamente responderam com simpatia. Um deles, bastante jovem, tão depressa retribuiu o cumprimento como se voltou desinteressado novamente.
No entanto, foi o suficiente para o seu olhar se perder nele. Parecia que estava diante de uma versão de carne e osso das suas utopias. Era perfeito, um paradigma. Tudo nele se conjugava de uma forma algo tosca contrariando todos os cânones clássicos e, ainda assim, evocando nela o sentimento de sublime. A pele pálida pontada por pequenas sardas sob os seus olhos penetrantes olhos azuis contrastava de um modo arrepiante com os negros cabelos despenteados mas harmoniosamente conjugados com a barba por fazer. Umas luvas turquesa sem dedos e um cachecol colorido juntamente com os jeans gastos e as sapatilhas de montanhista que trazia nos pés completavam na perfeição a sua postura descontraída.
Quando finalmente percebeu que tinha estagnado entre o exterior e o interior da escola apressou-se a entrar. Dirigiu-se à sala onde eram leccionadas as aulas e sentou-se numa das várias cadeiras vazias.
Além dela estava uma outra rapariga na sala que, a certa altura se levanta, indignadíssima.
- Será que ninguém pode vir aqui ajudar? – disse a jovem olhando-a.
Respondeu com um sorriso forçado enquanto a observava a sair da sala apressadamente, pautando o silêncio com as batidas dos tacões das suas botas excessivamente altas. Momentos depois volta a entrar, desta vez acompanhada pelo cativante jovem que havia visto anteriormente. Estranhou. Mais estranho ainda foi quando este se dirigiu a ela perguntando-lhe se era a sua primeira aula. Enquanto tentava mentalizar-se do facto de este homem fazer parte do leque de professores da casa respondeu, ainda incrédula:
- É sim, a minha primeira… Olhava-o fixamente enquanto se culpava pela estranha forma como articulou as palavras ao responder. Observou-o tímida e atenta, apercebendo-se rapidamente que a rapariga em questão não devia ter tantas dúvidas quanto dizia ter visto que pouco ou nada sabia. Mais rapidamente ainda notou a tentativa falhada de sedução. Agora sim compreendia as infundadas dúvidas acerca de matérias que a própria desconhecia.
Com um ar divertido, num tom algo jocoso, o jovem professor ia explicando algumas situações entre risos, claramente ciente da tentativa ridícula de sensualidade da jovem sem, no entanto, demonstrar qualquer interesse.
Olhou para o relógio, 16h, a aula devia estar prestes a começar. Pouco depois, o suposto professor vai-se embora dizendo “Até logo”.
“A aula é isto? Vem aqui, tira umas dúvidas a quem não as tem! E como posso eu ter sequer questões a colocar se não me ensinaram nada primeiro?” pensou, escandalizada com tamanha incompetência.
Quase 30 minutos mais tarde entra na sala o outro senhor que havia cumprimentado à entrada. Afinal as aulas estavam dentro de um certo padrão de normalidade e aquele sim era o responsável pelo ensino das matérias naquela tarde de segunda-feira.

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