domingo, 21 de março de 2010

lapsos da realidade decorrida


sê livre

não contes os minutos

não penses nas horas


és tão feliz que esqueceste a existência do tempo

és livre

quarta-feira, 17 de março de 2010

insónia


Tentava adormecer na esperança vã de descansar.

Estava exausto.

Todas as manhãs o mesmo ritual

Todas as tardes

Todos os dias

Todas as noites

A preocupação.

Os lençóis, por mais envolventes e convidativos

Assemelhavam-se sempre a teias demoníacas que profanavam o seu corpo.

Lutava até à exaustão.

Ainda nelas envolto,

Deixava de sentir

O corpo.

Divagava.

Acreditava que finalmente conseguiria dormir.

Apenas se avizinhavam horas de sofrimento vazio.

Deixava de sentir

A alma.

Era invadido por pensamentos tortuosos

Assombrado.

Até finalmente se deixar ir

Até finalmente deixar de existir

Até….

Acordar

adeus


Distância

Separação

Tenho sido por elas acompanhado nestes meses sem ti.

Não o sabia. Apenas agora me apercebi.

Vejo-te em todo o lado

Ver-me-ás a mim?

Acompanho-te

Tal como distância e separação o fazem comigo.

Olho para ti. Ou penso olhar.

Para aquilo que resta de ti.

De nós.

Dos tempos em que éramos 2.

Dos tempos em que éramos 1.

De todas as distâncias.

De todas as separações.

De todos os reencontros.

Aguardo

Aquilo que sempre quis.

Aquilo que sempre pensei ter.

Aquilo que jamais terei. Que nunca será meu.

Nosso

Estou certo. Nunca o fui

segunda-feira, 15 de março de 2010

ludismo sentimental (ii)


Havia passado mais de uma semana desde a sua primeira aula. Apesar de se ter comprometido consigo mesma a ir regularmente às aulas a verdade é que aquela primeira de quase quatro horas a havia deixado sem qualquer vontade de voltar sequer a olhar para o livro.

Ainda assim, acabou por tomar a decisão de ir mais uma vez. Era sexta-feira e rapidamente se arrependeu mal ouviu o despertador tocar lembrando-a da pasmaceira que a esperava. Era a primeira e última vez que acordava de propósito para tal.

Já passava das dez horas quando entrou na escola. Estranhou não ver ninguém na recepção mas isso não a demoveu de entrar na sala de aulas.

Boquiaberta lá se conduziu à cadeira mais próxima do quadro. Era o atraente jovem quem lá estava, diante dela, cumprimentando-a com um sorridente “Bom dia” e perguntando-lhe o nome.

Achou que ele não tinha particular jeito para o ensino, no entanto, considerou a aula bem mais interessante do que a primeira.

- Desculpa Sara, esta aula tem que ser um bocado diferente porque o Bruno está quase a ir a exame, mas para a semana começamos isto como deve de ser, ok?

“Sara”, o seu nome, essas quatro letras por ele proferidas fizeram-na estremecer. Nunca semelhante lhe havia acontecido. Apenas conseguiu acenar afirmativamente com a cabeça.

Apesar da promessa que havia feito umas horas antes, decidiu não voltar a faltar a uma aula da manhã. E assim foi, as manhãs, livres ocupava-as com essas aulas. Todos os dias tentava, sem sucesso, meter conversa no final da aula quando todos se haviam ido embora. Demorava, propositadamente, mais tempo a arrumar o seu material. Apesar da simpatia com que o jovem professor a tratava, era apenas mais uma aluna e ainda que mantivesse uma esperança em criar alguns laços com ele, esta tarefa parecia-lhe cada vez mais improvável.

Estava ansiosa que chegassem as férias da Páscoa para puder ir todas as manhãs para a escola. Contudo, mal estas chegaram, a vontade de acordar cedo era pouca e o cansaço juntamente com o aborrecimento que lhe causaram aquelas matérias acabavam por a manter na cama.

Só ao fim de quase uma semana de férias se dignou a lá voltar, desta vez sem qualquer vontade ou interesse em fazer sequer amizade com aquele homem inacessível, queria apenas sossego e de preferência pouca conversa. Não estava, de todo, com vontade de conviver.


(há de continuar)

ludismo sentimental (i)


Não era a primeira vez que entrava na escola, já lá havia estado quando levou os documentos necessários para a sua inscrição. O simpático senhor que se encontrava na recepção disse-lhe que daí a uma semana lhe ligaria para confirmar a sua inscrição e que a partir daí poderia começar a frequentar as aulas. Apesar do entusiasmo e vontade de começar a aprender, só quase um mês após receber esse mesmo telefonema decidiu aparecer nas ditas aulas.
Ao abrir a porta, com algum esforço devido à excessiva carga que habitualmente trazia consigo, disse um tímido “Boa tarde”, ao qual os dois homens que se encontravam na recepção rapidamente responderam com simpatia. Um deles, bastante jovem, tão depressa retribuiu o cumprimento como se voltou desinteressado novamente.
No entanto, foi o suficiente para o seu olhar se perder nele. Parecia que estava diante de uma versão de carne e osso das suas utopias. Era perfeito, um paradigma. Tudo nele se conjugava de uma forma algo tosca contrariando todos os cânones clássicos e, ainda assim, evocando nela o sentimento de sublime. A pele pálida pontada por pequenas sardas sob os seus olhos penetrantes olhos azuis contrastava de um modo arrepiante com os negros cabelos despenteados mas harmoniosamente conjugados com a barba por fazer. Umas luvas turquesa sem dedos e um cachecol colorido juntamente com os jeans gastos e as sapatilhas de montanhista que trazia nos pés completavam na perfeição a sua postura descontraída.
Quando finalmente percebeu que tinha estagnado entre o exterior e o interior da escola apressou-se a entrar. Dirigiu-se à sala onde eram leccionadas as aulas e sentou-se numa das várias cadeiras vazias.
Além dela estava uma outra rapariga na sala que, a certa altura se levanta, indignadíssima.
- Será que ninguém pode vir aqui ajudar? – disse a jovem olhando-a.
Respondeu com um sorriso forçado enquanto a observava a sair da sala apressadamente, pautando o silêncio com as batidas dos tacões das suas botas excessivamente altas. Momentos depois volta a entrar, desta vez acompanhada pelo cativante jovem que havia visto anteriormente. Estranhou. Mais estranho ainda foi quando este se dirigiu a ela perguntando-lhe se era a sua primeira aula. Enquanto tentava mentalizar-se do facto de este homem fazer parte do leque de professores da casa respondeu, ainda incrédula:
- É sim, a minha primeira… Olhava-o fixamente enquanto se culpava pela estranha forma como articulou as palavras ao responder. Observou-o tímida e atenta, apercebendo-se rapidamente que a rapariga em questão não devia ter tantas dúvidas quanto dizia ter visto que pouco ou nada sabia. Mais rapidamente ainda notou a tentativa falhada de sedução. Agora sim compreendia as infundadas dúvidas acerca de matérias que a própria desconhecia.
Com um ar divertido, num tom algo jocoso, o jovem professor ia explicando algumas situações entre risos, claramente ciente da tentativa ridícula de sensualidade da jovem sem, no entanto, demonstrar qualquer interesse.
Olhou para o relógio, 16h, a aula devia estar prestes a começar. Pouco depois, o suposto professor vai-se embora dizendo “Até logo”.
“A aula é isto? Vem aqui, tira umas dúvidas a quem não as tem! E como posso eu ter sequer questões a colocar se não me ensinaram nada primeiro?” pensou, escandalizada com tamanha incompetência.
Quase 30 minutos mais tarde entra na sala o outro senhor que havia cumprimentado à entrada. Afinal as aulas estavam dentro de um certo padrão de normalidade e aquele sim era o responsável pelo ensino das matérias naquela tarde de segunda-feira.

domingo, 14 de março de 2010

.

- Olha que a minha mãe está quase a chegar.

- Não faz mal. Dá tempo.

- Mas o Jorge está cá em casa!

- Mas está entretido com os pokémons.

- E se ele se lembra de vir aqui?

- Achas? É impossível arrancá-lo do sofá…

- Mesmo assim… Não me parece boa ideia.

- Vá lá. Eu sei que também queres.

- Não insistas. Já te disse que não.

- Oh deixa-te disso… Tão cedo não temos oportunidade…

- Mas tem que ser rápido!

- É rápido, não te preocupes…

- Mesmo?

- Prometo. Agora chega cá…

- Ai não me toques aí…

- Porquê?

- Faz cócegas…

- Também me podes fazer cócegas…

- Tenho vergonha…

- Vá, eu ajudo-te.

- O que é que estás a fazer?!

- Nada…

- Nem penses que te vou tocar aí!

- Oh porquê? Depois admira-te que o teu irmão apareça, com o barulho que estás a fazer…

- (…)

- Não fiques amuada, estou a brincar contigo. Não fujas…

- (…)

- Não gostas disto?

- Até sabe bem…

- Posso?

- Tenho medo…

- Eu tenho cuidado…

- Ok…

- Ah…

- Está a doer…

- E assim?

- Está melhor, mas tenta ir devagarinho…

- (…)

- Aaaa…

- Shhhh…

- Hmmmmm…

- Hmmm…

- AH! Aaaaa….

- (…)

- Foi bom?

- Pensei que ia ser pior…

- Eu disse-te que não custava nada.

- E agora?

- E agora o quê?

- É só isto?