domingo, 2 de agosto de 2009

2.8


"Gosta sempre de mim. (...) Como fui feliz aí contigo, como tenho sido sempre feliz contigo, como gostaria de voltar, de voltar depressa para poder ver-te, tocar-te, falar-te, meter a minha chave na fechadura do teu corpo, a língua na tua boca, apertar-te o peito com as mãos, morder-te o percoço, voar, lembro-me de pormenores absurdos, do sinal do peito do teu pé (...), do canal da tua nuca, e gosto absurdamente de todos: minha senhora, eu amo-a. Se eu não a conhecesse persegui-la-ia pelas ruas com propostas sórdidas e veementes. Recordo-me do primeiro dia em que a vi, do seu perfil de Boticelli, recordo-me do ano seguinte na praia, do seu cabelo preso atrás e da sua risca ao meio, do seu aspecto de retrato de Ingres, recordo-me do seu ar de midinette, e amo perdidamente todas as suas encarnações, sem poder escolher entre elas. (...) Amo os seus gestos, os seus sorrisos e as suas fúrias. Amo as suas zangas e a solenidade calada e digníssima dos seus amuos. Amo as suas recriminações e os seus beijos. (...)

De resto fazes-me falta em tudo, uma falta permanente e horrível, que se acentua dia a dia como um vazio no estômago, um oco no espaço, uma sincera vertigem no centro da cabeça amo-te.

Lembra-te de mim sempre e de que gosto tudo de ti. Espero furiosamente que o tempo passe, e amanheça depressa (...)."



António Lobo Antunes


("sou tua, sempre fui, já o era ainda antes de o saber")

e que amanheça depressa dia 17


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