quinta-feira, 26 de março de 2009

Música Experimental


És aquilo que nunca quis e ainda assim tudo o que sempre desejei.

Sabia-o diferente. Sabia o pouco que tinham em comum. Sabia igualmente as adversidades de uma possível relação com aquele homem. E ainda assim, o seu sonolento olhar, o ar desmazelado, a pele morena e os negros caracóis despenteados conjugados com os verdes olhos permaneciam latentes no seu pensamento.
E a sua música. Oh sim, a sua música… Sabia-o distante mas de algum modo sentia-o. Ao ouvir aqueles estranhos ruídos por ele criados, aquilo a que ele chamava de “música especial”, estava mais próxima da sua alma. Sim, mais próxima da sua alma. Aquela era a arte dele, a transfiguração das suas emoções para algo palpável.
Nada havia de belo naqueles sons e no entanto não se conseguia abstrair. Aqueles momentos constituíam para ela quase que uma evocação do sentimento de sublime, um êxtase artístico. Aqueles ruídos monótonos, regulares, uma espécie de gritos e ecos num vazio longínquo tocavam-na a níveis que nem ela conseguia compreender ou explicar.
Ainda se lembrava da primeira vez que ouvira “love generator”.
- Então que achas?
- Sinceramente gostei, está giro.
- Já vi que não gostaste…
- Oh não é nada disso! Apenas acho que é uma música muito diferente, é complicado explicar… Mas gostei, a sério.
- É verdade. Ninguém percebe…
Agora, quando pensava nisto, apercebia-se de que no momento apensas dissera aquilo na tentativa de o impressionar. De facto não tinha compreendido aquela música, nem tinha gostado particularmente. Mas agora… Agora vivia naquela melodia, não havia um único passo que desse que não fosse ritmado por aquelas “batidas”. Cada lapso sonoro orientava a sua vida.
Ansiava pelo dia em que o voltaria a ver. Queria tocá-lo, sentir e guardar para si aquele cheiro a tabaco e maresia. Até nisso era diferente. Estes odores que sempre a deixaram nauseada, conjugados nele deixavam-na completamente absorta.
Esta obsessão doentia perturbava-a. Ele invadia-lhe o pensamento sem avisar e ali permanecia por tempos indefinidos. Destabilizava a sua serenidade enquanto coloria os seus dias. Era a banda sonora da sua vida.
Tantas vezes lho quisera dizer. Nunca o fizera. Não por medo. Ou talvez fosse. Apenas sabia que a música era a sua eterna amante e que uma simples criatura humana como ela nunca poderia ocupar o lugar de uma melodia.
Não queria ouvir um simples “amo-te”. O seu único desejo era ser a música. A música dele. Fantasiava constantemente com este dia que nunca iria chegar, o dia em que seria a música, o dia em que seria um grito no vazio da vida dele.
Inúteis eram as palavras, inúteis os sentimentos. Para ele nunca passaria de um simples esboço, uma pauta em branco, nunca seria uma melodia.

Sou tua. Sempre fui. Já o era ainda antes de o saber.

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