terça-feira, 31 de março de 2009

estranho sentimento ao qual vulgarmente chamamos saudade

Não tenho contado os minutos, não tenho contado as horas, nem os dias ou as semanas, muito menos os meses. Apenas te recordo, às vezes, quando nada mais me ocupa o pensamento.
Disse que nunca te esqueceria e que para sempre estarias gravado em mim. Disse ainda que a memória dos teus beijos me aqueceria nas crepusculares tardes de Inverno e que a tua melodiosa voz me guiaria nos dias difusos em que não sei por onde ir.
Esperar-te-ia até regressares.
Entretanto, essas vívidas memórias foram-se afastando. Tentei agarrá-las mas nada consegui fazer além de as observar a escaparem-me entre os dedos. Primeiro como água, consegui-a vê-las, sentir-lhes a textura, o sabor, conseguia tocar-lhes mas não agarrá-las; depois como fogo, passaram apenas a aquecer-me e ainda que as visse e lhes pudesse tocar não o fazia, não me queria magoar e, finalmente, como ar, uma leve brisa que sentia por mim passar de quando em vez, estava sempre lá, não a via, não a conseguia agarrar e, por vezes, até me esquecia da sua existência.
No entanto, és real.
Não passas de uma memória cada vez mais longínqua. Uma realidade cada vez menos presente.
Em mim és mera lembrança.
Não há fotos, não há textos, muito menos objectos. Nada físico que a esses momentos, a ti me possa ligar.
Sempre disse que para mim, pelo menos para mim, foi real. Já nem essa crença me resta…
Nada mais há a que me possa agarrar.
E ainda assim, continuas, mesmo que disperso, vivo em mim.

domingo, 29 de março de 2009

O Processo Criativo


Sentada naquele velho banco de jardim revia mentalmente o dia anterior. Aguardara expectante aquele momento. Cada lapso, cada lampejo, cada fracção temporal havia sido por ela idealizada. E agora, todas aquelas vastas horas perdidas num mundo fantasioso, num conto de fadas imaginário, se resumiam a isso mesmo, IMAGINAÇÃO.
Segundo Oscar Wild, É a expressão que confere veracidade às coisas. No entanto, sentia e sabia que se o tivesse exteriorizado nada mudaria. Os devaneios permaneceriam devaneios e mais uma vez todas as suas expectativas sairiam destruídas.
Claro que ele havia desfrutado da sua companhia, claro que ela o havia cativado, mas o beijo que desejara, o toque e todo o turbilhão de emoções que idealizara rapidamente se esfumaram.
E a dúvida... Toda a dúvida, toda a insegurança que daí advieram deixavam-na exausta. Questionava-se incansável. Imaginara-o na mesma frequência e afinal não passavam de estações de rádio com sintonizações diametralmente opostas.
Tudo sabia-lhe sempre a tão pouco. Toda a experiência, todo o momento agradável que experimentava, deixavam-na insaciada. Queria sempre mais. Não conseguia contentar-se com meras conversas de circunstância, com simples trocas de olhares, com vulgares passeios à beira mar. Queria mais. O seu desejo era infinito.
Por vezes pensava se não deveria sentir vergonha de si própria. Sempre a tentar seduzir todos aqueles que a rodeavam. Mas rapidamente se abstraía desses pensamentos, era mais forte do que ela. Não se resumia a uma simples vontade, era a sua índole. Queria. Precisava de alguém, de ninguém, de toda a gente. Deste, do outro, daquele. De qualquer um, de nenhum. Era quase como se desejasse mais do que a própria conquista. Menos. O prazer da reciprocidade. A dor da rejeição. Era o que a mantinha viva, era o que lhe dava aquele prazer doentio de saber que era nestes momentos que as suas emoções eram mais genuínas. Genuinamente doentias. Era o que lhe deva alento para produzir a sua arte.
Agora que ele não lhe havia dado qualquer resposta afirmativa desejava-o com mais intensidade do que em qualquer outra ocasião. Ele estava a dar-lhe mais do que aquilo que sempre desejava. Não lhe dizia que sim, mas ao mesmo tempo não lhe dava a entender que não partilhava dos mesmos sentimentos.
Queria beijá-lo. Um simples beijo calaria o grito do seu peito.
Depois disso nada mais restaria. Sem o segredo tudo se perde. Nada mais há a desejar.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Música Experimental


És aquilo que nunca quis e ainda assim tudo o que sempre desejei.

Sabia-o diferente. Sabia o pouco que tinham em comum. Sabia igualmente as adversidades de uma possível relação com aquele homem. E ainda assim, o seu sonolento olhar, o ar desmazelado, a pele morena e os negros caracóis despenteados conjugados com os verdes olhos permaneciam latentes no seu pensamento.
E a sua música. Oh sim, a sua música… Sabia-o distante mas de algum modo sentia-o. Ao ouvir aqueles estranhos ruídos por ele criados, aquilo a que ele chamava de “música especial”, estava mais próxima da sua alma. Sim, mais próxima da sua alma. Aquela era a arte dele, a transfiguração das suas emoções para algo palpável.
Nada havia de belo naqueles sons e no entanto não se conseguia abstrair. Aqueles momentos constituíam para ela quase que uma evocação do sentimento de sublime, um êxtase artístico. Aqueles ruídos monótonos, regulares, uma espécie de gritos e ecos num vazio longínquo tocavam-na a níveis que nem ela conseguia compreender ou explicar.
Ainda se lembrava da primeira vez que ouvira “love generator”.
- Então que achas?
- Sinceramente gostei, está giro.
- Já vi que não gostaste…
- Oh não é nada disso! Apenas acho que é uma música muito diferente, é complicado explicar… Mas gostei, a sério.
- É verdade. Ninguém percebe…
Agora, quando pensava nisto, apercebia-se de que no momento apensas dissera aquilo na tentativa de o impressionar. De facto não tinha compreendido aquela música, nem tinha gostado particularmente. Mas agora… Agora vivia naquela melodia, não havia um único passo que desse que não fosse ritmado por aquelas “batidas”. Cada lapso sonoro orientava a sua vida.
Ansiava pelo dia em que o voltaria a ver. Queria tocá-lo, sentir e guardar para si aquele cheiro a tabaco e maresia. Até nisso era diferente. Estes odores que sempre a deixaram nauseada, conjugados nele deixavam-na completamente absorta.
Esta obsessão doentia perturbava-a. Ele invadia-lhe o pensamento sem avisar e ali permanecia por tempos indefinidos. Destabilizava a sua serenidade enquanto coloria os seus dias. Era a banda sonora da sua vida.
Tantas vezes lho quisera dizer. Nunca o fizera. Não por medo. Ou talvez fosse. Apenas sabia que a música era a sua eterna amante e que uma simples criatura humana como ela nunca poderia ocupar o lugar de uma melodia.
Não queria ouvir um simples “amo-te”. O seu único desejo era ser a música. A música dele. Fantasiava constantemente com este dia que nunca iria chegar, o dia em que seria a música, o dia em que seria um grito no vazio da vida dele.
Inúteis eram as palavras, inúteis os sentimentos. Para ele nunca passaria de um simples esboço, uma pauta em branco, nunca seria uma melodia.

Sou tua. Sempre fui. Já o era ainda antes de o saber.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Beija-me


“Beija-me” dizia ele agarrando-a efusivamente e os seus lábios uniam-se numa melodia perfeita que até o próprio Mozart invejaria. Quem os visse conseguiria aperceber-se da paixão latente nos seus olhares.
“O que teria acontecido?”. Passado todo este tempo continuava a questionar-se. Ainda pensava nele de mesma maneira… Aliás, os sentimentos que por ele nutria não sofriam qualquer alteração além de um descontrolado aumento a cada dia que passava.
Nunca ninguém a havia feito experimentar tais sensações. Mal o via, o seu coração acelerava de tal modo que chegava a temer um colapso cardíaco. Bastava ouvir o seu nome por ele pronunciado para todo o seu corpo entrar em ebulição, os pêlos dos braços levantavam, as mãos tremiam, os joelhos fraquejavam e toda uma torrente de emoções flamejava no seu peito.
Se almas gémeas existiam aquela era a sua.

“Ás vezes penso se não irei acordar e aperceber-me de que tudo isto não passou de um sonho. Tenho vontade de me meter por baixo do lençol. Fechar os olhos e tentar sentir que estou longe disto a que chamam vida. O amor foge-me entre os dedos, não consigo evitar. Quero ter coragem para agarrar a oportunidade e vacilo como um vagabundo sem rumo. É cruel a verdade das coisas. Tento fingir que não sinto mas as lágrimas escorrem e não há dia nem hora em que não derramem o meu esforço. Entretanto, apareces-te tu, do nada, como um ser iluminado.
È melhor para os dois.
Apenas quero que saibas que até agora não encontrei mulher mais parecida com a perfeição.
Amo-te Sofia.”

Leu e releu estas palavras. Sentia-as como lanças a trespassar-lhe o coração. Como seria possível alguém proferir um texto desta índole ao despedir-se do outro? Porque é que na sua vulgar banalidade ele via perfeição? Sendo ela um ser tão imperfeito…
As suas tentativas em compreender esta complexidade deixavam-na exausta, frustrada… E ao mesmo tempo, completamente envolvida neste turbilhão de emoções.

“Quando duas pessoas se amam, se uma morre a outra não suporta a perda. Põe termo à sua vida também. Um dia, se casar, será assim.”

Estas palavras ecoavam na sua cabeça… Estas e outras. Mas que interessava isso? Era só mais uma. Mais uma mas não para ele. Mais uma perante a imensidão deste universo. Sempre se sentiu diferente… E era. Um ser único e complexo igual a tantos outros misturado no emaranhado de massa humana que é este planeta.
“Quero morrer” pensou. Já nada fazia sentido. Talvez assim ele percebesse o quão penosa era a distância. Valeria a pena? Segundo Pessoa tudo vale a pena quando a alma não é pequena… Tinha que o fazer. Ia finalmente deixar uma marca neste mundo, nele. Estava tão certa disto como… do seu amor por ele (?).
Olhou através do vidro baço da cozinha. Finalmente o Sol brilhava. Não se lembrava de sentir o calor no seu rosto, no seu corpo, em si. Afinal todo o fim tem um começo. Chegara a Primavera. Sentia-se acompanhada.
- Amo-te Victor…